Textos e Lições 


O cão e o trapo

J.R.Jerônimo

A caminho do trabalho, sete e quarenta e três da manhã, segunda-feira.  Fazia um pouco de frio, era começo do inverno de dois mil e dez.  Deparei-me com uma cena tão... não sei exatamente qual a palavra, mas à medida que discorrer a historinha talvez saberemos o adjetivo mais apropriado.

Na avenida Otávio Braga de Mesquita, desci do ônibus dois pontos antes de chegar à praça Oito de Dezembro, no Taboão, em Guarulhos.  Na mesma calçada que o ônibus deixou-me, voltando uns trinta metros, passei pela banca de jornal, entrei na primeira esquerda, rua Pedro de Toledo. 

Após andar uns cinquenta metros pela calçada, entre o alto e amarelo muro de uma indústria de caixas de papelão, ali à esquerda, e as pequenas árvores à direita, porém inclinadas para a esquerda, como quem quer encontrar-se com o muro, deparei-me, na mesma calçada, vindo em sentido contrário, com um pequeno cão e seu dono. 

Não consegui não prestar atenção.  Solto e sem coleira, o cachorrinho, que parecia amarelo de nascença, todavia marrom de vivência, trazia em sua boca um trapo, tal pano de prato, mas bem encardido.  Seu dono, um homem de aparência simples, perto de seus cinquenta anos, meio encolhido de frio com pouco agasalho, vinha depois do cão.

Não existia outra coisa neste mundo para aquele animal, apenas o trapo, encardido.  Ele o jogava para cima, corria, pegava, atirava para o lado, ia, agarrava outra vez, chacoalhava de um lado para o outro, lançava para frente, apressava-se e o apanhava novamente.  Fazia isto sem parar, e sempre em frente, de modo que o homem que o seguia não precisava reduzir a marcha, pois o cão ia, brincando, mas adiantando-se no caminho.  Tal era a concentração e alegria do cãozinho, em relação a este trapo, encardido, que não apenas eu ri daquilo, como também o homem que o acompanhava.

Dentro em pouco, quando olhei para trás, os dois, cão e dono, sumiram ao chegar na esquina. 

Segui meu caminho, mas não pude deixar de considerar a ideia de que, na vida, às vezes devemos agir como aquele cãozinho.  Calma!  Não estou falando de liderar alguém numa caminhada, brincando com um trapo, encardido.   Refiro-me ao fato de que há circunstâncias em que precisamos nos absorver com alguma tarefa, pelo simples e único motivo de que, nesse momento, seja importante nos desligarmos de certos pensamentos e lembranças a fim de reduzir sua influência negativa.  Como diz a frase, atribuída¹ a Ralf Waldo Emerson (1803-1882), pensador estadunidense: “a felicidade consiste em preencher as horas...”

Outras vezes porém, absorvermo-nos tanto assim nalguma tarefa pode ser pernicioso, pois deixamos de ver o conjunto da vida que nos rodeia, com suas oportunidades e possibilidades de melhoria, onde o tempo passa e a gente continua na mesma.

A saída então, é sabermos que o preenchimento pleno de nosso tempo nalguma tarefa produtiva ou positiva, tem o poder também de preencher nossa mente, não dando espaço para pensamentos e atitudes improdutivos ou negativos.  Procedimento, inclusive, que pode ser utilizado para afastar alguém das drogas ou de comportamentos e companhias destrutivos. Ao saber disto, podemos adotar a consciência de utilizar este recurso quando nos aprouver.  Ou seja, se precisamos passar por algum momento triste, talvez seja o caso de fortalecermo-nos com a ocupação plena do tempo e da mente.  Já quando precisamos mantermo-nos atentos às possíveis oportunidades, devemos cuidar para não envolvermo-nos tanto nalguma tarefa, para não termos limitada a visão do conjunto.

Quanto à cena do início, talvez a palavra: inspiradora, seja o adjetivo que procurava.

Ê cachorrinho que ensina, hein! 

1. http://www.45graus.com.br/a-busca-da-felicidade,periscopio,503.html

J.R.Jerônimo

Agosto 2010


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